QUANTA TECNOLOGIA VOCÊ PRECISA PARA APRENDER?
Nietzsche
A cada cinco anos temos uma geração diferente. Estou falando de pessoas, não de computadores. Incrível, não é?
Neste admirável mundo novo, quando estou viajando, converso com minha filha pelo MSN e uma Webcam. Ela vê um celular e aperta os botões até aparecer uma imagem, um vídeo, um som.... e a danadinha tem apenas um ano e poucos meses! Somente trinta e seis anos nos separam e ela já faz coisas hoje que eu só fui fazer aos 25.
Voltando no tempo: eu tinha 14 anos quando vi pela primeira vez um computador. Antes disto, só o do Batman, Ataris, Telejogo e aquelas máquinas enormes de vídeo game, tipo Space Invaders.
Cresci curioso – aliás, ainda sou. Mesmo sem saber ler, folheava a coleção do Sitio do Pica-Pau Amarelo. As figuras me encantavam. Gostava de estórias e histórias. As ciências já me fascinavam, mesmo sem saber o significado da palavra ciência. Queria entender “como” as coisas funcionavam. Acho que, ainda muito novo não me contentava com o “como”, queria saber o “porquê”.
Mas eu sofria com alguns “deveres de casa”. Aqueles do tipo: “faça uma pesquisa sobre”... A única fonte de pesquisa que eu tinha era a enciclopédia. Sofrimento mesmo era na hora de “fazer” a pesquisa. Ou melhor, copiar os textos da enciclopédia para intermináveis folhas de papel ao maço pautado. Entender, resumir e concluir nunca foi importante para maioria dos professores. A nota sempre era proporcional à quantidade de folhas manuscritas. Sinceramente, duvido que algum professor tenha lido 40 ou 50 transcrições da Barsa, Delta e mais duas ou três enciclopédias, a cada “pesquisa” encomendada.
Aos quinze anos ganhei um TK85. Em 1986 aquilo era um computador pessoal! Com seus 16kb de memória, um gravador de voz que fazia vezes de disco de armazenamento e uma TV P&B 14 polegadas, como monitor. Usando esta maravilha tecnológica, fiz programas para resolver equações, “desenhar” mapas do Brasil e suas riquezas e um bocado de coisas interessantíssimas para um garoto de 16 anos na década de 80. Nesse ano fiz a minha primeira apresentação em público, para a turma do colégio usando o computador! Estudei eletrônica, através de ensino à distância – EAD, para entender como o tal do computador funcionava. Naquela época, era motivo de chacota fazer curso por correspondência. Hoje é a “ultima paçoquinha do tabuleiro” fazer MBA à distância. Sempre fui tímido, mas não me preocupava se algumas pessoas me achavam “estranho” por gostar de coisas diferentes: eletrônica, basquete, química, pescaria, microscópios, acampamentos, lunetas, música clássica, física, rock&roll, e ler de tudo. Realmente era muito divertido fazer experiências, criar e entender o como e o porquê das coisas.
De lá para cá, as coisas mudaram muito. E minha curiosidade aumentou na mesma proporção que as fontes para saciá-la. De receita de molho de pitanga para um bom filé grelhado às causas de um sangramento no nariz eu consulto a Internet.
A tecnologia está aí: computadores, Internet, softwares para comunicação, gerenciamento, criação de sites, blogs, flogs, tratamento de imagens, sons, vídeos. Praticamente todo o conhecimento da humanidade está disponível ao cidadão comum.
Ah, e a inclusão digital? Pois é. Continua como sempre foi... Depende da sua atitude.
A Biblioteca Pública de Belo Horizonte é linda! Foi reformada, ganhou muitos exemplares, arquitetura moderna (obteve o aval de projetista original: Oscar Niemeyer), tudo organizado e catalogado. Passo diariamente em frente à sala de estudos, cujas paredes são de vidro. Quase perfeita. Só falta uma coisa: leitores. Está sempre vazia.
A internet é similar. Muito conhecimento, muita informação, comunidades para todos os assuntos, software para tudo. Mas a grande massa acessa sites de fofocas e sexo. Muita gente querendo ser igual ao outro para resolver seus problemas de auto-estima e aceitação. Só que a beleza da vida está na diversidade – a humanidade existe graças às diferenças, não é?
Preconceito meu? Que tipo de revistas você encontra em salas de espera de consultórios? Salões de beleza? Barbeiros? Fofocas - em poucas palavras e muitas fotos, sexo – explícito ou implícito e futebol. Será que só estes assuntos são interessantes? Não existem leituras amenas, agradáveis, interessantes, engraçadas, divertidas sobre mais nada? Duvido! Leio de tudo, como já disse. O problema está na “bitolação” causada pelo monopólio mental que deteriora o que a humanidade tem de melhor: a arte de questionar respeitando a diversidade de opiniões.
Voltando ao ponto. Para quem quer, a informação está disponível. As tecnologias também. Falta exatamente o que nos diferencia do computador: raciocínio, análise, conclusão, opinião, entendimento, compreensão, sentimento.
E então? A estrutura de ensino tradicional está falida. Tanto nas escolas quanto nas empresas. Ela foi concebida para adestrar pessoas para execução de tarefas mecânicas. Ensinar pessoas a copiar e decorar é injustiça. É condená-las a competir com o computador. Elas perderão. Futuros profissionais e cidadãos devem aprender a aprender. Devem ser estimulados a criar, produzir, resumir, analisar, entender, compreender, criticar, debater, contra-argumentar e sentir.
E como ensinar as pessoas a aprender? Brincando e interagindo. Instigando a curiosidade de forma divertida. Simples assim! Minha curiosidade não nasceu do computador. Nasceu de pés de feijão plantados em algodão, de dissecações de flores de hibisco, da construção de barcos, varas de pescar, arco e flecha, cata-ventos, nas bolhas de sabão, no violão, no basquete, na música, na poesia, no teatro, nos desenhos e pinturas. Jogos e brincadeiras que me divertiam.
Sem expressar idéias e sentimentos o ser humano é um TK85.
Acredito que a inclusão é uma atitude pessoal. Independe do estado, da economia, da empresa, da escola e da família. Obviamente estas entidades podem e devem catalisar o processo, mas se a pessoa não busca o caminho da sabedoria, começando pelo autoconhecimento, não há santo que a ajude.
Esta é a fórmula mágica para inclusão, não digital, mas social: debater, trocar ideais, se expor, questionar. Aprender com a reação do mundo e com sua reação ao mundo. Com sua história de vida. E, sobretudo, rir muito. Quanta tecnologia você precisa para isto?
Post Scriptum: Onus probandi incumbit ei qui agit
(em português claro: quem mata a cobra, deve mostrar o pau)
Quem quer estimular a criatividade, curiosidade e inteligência de alunos em qualquer faixa etária basta um pouco de madeira, cordas, tecido e uma boa pesquisa sobre Leonardo da Vinci. Ou seja, tecnologia de mil quatrocentos e pouco ajudando a formar profissionais e cidadãos. Quem duvida, vá a exposição de Da Vinci no Ibirapuera e faça uma excursão com uma turma de quinta série. É emocionante.